José Nuno Pereira Pinto, um ilustre portuense e alvarenguense

José Nuno Pereira Pinto completa este 25 de fevereiro 87 anos, mantém uma enorme capacidade intelectual, uma memória viva do passado e surpreende pela perspicácia sobre a atualidade que compreende e que lhe permite intuir o futuro próximo, como poucos o farão, fruto da sua experiência e do seu conhecimento da vida e natureza humanas.

Extremamente ativo, com métodos de trabalho rigorosos, tem todo o seu tempo ocupado, pois, apesar de reformado da atividade docente, continua a exercer advocacia e a escrever.

José Nuno Pereira Pinto é uma ilustre personalidade, um homem e um autor que dá voz a vários concelhos que integram a Área Metropolitana do Porto designadamente aos espaços onde nasceu e cresceu (Alvarenga/Arouca), onde se formou (Vila Nova de Gaia e Porto), onde exerceu sacerdócio (Sandim/Vila Nova de Gaia e Travanca/Santa Maria da Feira), onde exerceu docência (Vila da Feira, Vila Nova de Gaia, Porto, Matosinhos, Póvoa de Varzim), onde exerce advocacia (Matosinhos). O nosso ilustre homem e autor centra-se nestes espaços físicos que transformou em espaços literários, históricos e universais, onde histórias e estórias se desenrolaram tendo como protagonistas personagens que mesmo sendo verosímeis (diria até verdadeiras, de carne e osso!) foram literariamente construídas, representando tipologias socialmente e hierarquicamente estratificadas, facilmente tipificadas, fazendo com que as suas obras sejam tanto literárias como historiográficas, testemunhais e documentais de um determinado período de tempo e de uma época, tempos cronológicos que coincidem com tempos psicológicos, pessoais e coletivos do rol de personagens das narrativas.

Além de ser um homem do Porto e do Norte, muitos se recordarão, certamente, dele em Coimbra e em Salamanca, enquanto estudante universitário.

Reconhecido pelo seu conhecimento, especialmente nas áreas da Literatura Clássica, do Latim e do Grego, mas também na Teologia e no Direito, granjeou admiradores e conquistou o respeito e admiração de professores universitários, sendo convidado para dissertar e comentar obras de grandes autores como Guerra Junqueiro, a par com figuras como Eduardo Lourenço, Nuno Júdice, Mário Soares, Arnaldo Saraiva, Fernando Guimarães, José Carlos Seabra Pereira, Maria Helena Rocha Pereira e D. Manuel Clemente, entre outros.

Foi um professor dedicado, atento, humano e exigente, conforme testemunham alguns discípulos que referenciam a sua vocação para o ensino, na senda do que lhe havia sido incutido por seu pai, José Pereira Pinto, também ele ilustre professor.

Mas José Nuno Pereira Pinto é muito mais do que professor e advogado. José Nuno Pereira Pinto é autor de uma extensa e diversificada obra literária, poética e historiográfica que começa a suscitar interesse nos meios académicos, tendo sido tema de preleções e comunicações cá e além-mar.

Porque melhor se conhece e interpreta a obra se melhor se conhece o autor, importa revisitar o percurso biográfico de José Nuno Pereira Pinto e os momentos mais relevantes da sua história de vida que agora completa 87 anos e aos quais, esperamos, se somem muitos mais com o mesmo vigor, saúde, resistência e produtividade intelectual.

Como já foi referido, José Nuno Pereira Pinto é filho de José Pereira Pinto, professor que esteve ligado ao grupo-tertúlia onde pontificava Leonardo Coimbra e que se reunia no Café Majestic no Porto e que fora colocado como titular na freguesia de Alvarenga, concelho de Arouca, em 1926, tendo sido o primeiro professor a estrear a escola do Paço, em 1930. José Nuno Pereira Pinto nasceu a 25 de fevereiro de 1934, na referida escola do Paço, em Alvarenga, onde seu pai e sua família viviam e onde estava instalada a então denominada “casa do professor”. Morou nessa mesma escola até 1945, tendo recordações muito vivas e claras da sua infância: dos serões onde se rezava o terço, do seu pai a ler em voz alta Almeida Garrett, de se reunirem à volta do piano que era tocado por quase toda a família, das manhãs em que acordava ao som da guitarra dedilhada pelo seu pai, do portão da escola onde se baloiçava em menino, do seu triciclo a que chamava “cavalo de pau”, das brincadeiras e das descobertas em liberdade, nos campos e montes da aldeia, do chilrear dos pássaros, do cheiro a broa acabada de cozer…

José Nuno Pereira Pinto teve uma infância feliz, no seio de uma família tradicional, profundamente enraizada em Alvarenga, que gozava de prestígio, descendente do capitão-mor de Alvarenga e de José Pereira Pinto, filho da terra, professor e juiz de paz.

Cresceu em liberdade, num ambiente rural, pastoril, telúrico e provinciano, mas extremamente rico do ponto de vista cultural, económico e político, pois naquele tempo já havia camioneta que fazia a ligação de Alvarenga ao Porto, havia famílias com automóveis, negócios e propriedades na grande metrópole, famílias regressadas do Brasil, detentoras do monopólio do negócio do café (refiro-me a Adriano Telles, fundador das casas de “A Brasileira” em Lisboa e no Porto), com novas ideias que beneficiaram a freguesia e famílias que gozavam de enorme influência política de onde haveriam de sair personalidades que ocuparam altos cargos governativos, como foi exemplo o Dr. Inocêncio Galvão Teles, que foi ministro da Educação Nacional, entre outras famílias que enriqueceram com a exploração de volfrâmio em Alvarenga nas duas grandes guerras mundiais.

José Nuno Pereira Pinto, seus pais e irmãs em passeio à Foz do Douro, 1943

Presenciou, da janela do seu quarto, o Motim de Alvarenga, com apenas 8 anos de idade, em 1942, episódio que lhe ficou gravado na memória pelo alvoroço que se gerou, por ouvir o sino da igreja tocar a rebate durante cerca de meia hora, por observar o aglomerado de multidão que se juntava, por ser surpreendido pelo som de tiros e de explosões, por depois compreender o embuste e a apreensão de volfrâmio que a PVDE havia planeado e que o povo tentou impedir, porque a confiscação das largas toneladas de volfrâmio significaria a ruína e a pobreza de muitas famílias que ficariam sem volfrâmio, sem dinheiro e sem campos onde cultivar e de onde tirar o pão. Ficou-lhe na memória, especialmente, por presenciar os agentes da PVDE a procurar o seu pai e a levá-lo preso para interrogatório, de se recordar da sua mãe, nos dias seguintes, a assumir a proteção da família na ausência do seu progenitor, chegando mesmo a dormir com uma espingarda carregada debaixo do travesseiro. Recorda-se do regresso do pai a casa, na camioneta que vinha do Porto e que só parava à frente da escola do Paço para deixar entrar ou sair o Sr. Professor, a quem o motorista simpaticamente sempre lhe reservava o banco da frente. Este episódio foi tão marcante na infância de José Nuno Pereira Pinto que o nosso ilustre autor regressou ao tema muitos anos mais tarde e encontrou nele matéria e motivação para a escrita do livro historiográfico “Alvarenga e o Motim de 1942”, em 2008, e do romance “Da outra margem”, publicado em 2004, que revelam um autor e narrador hábil, um historiador perspicaz, um etnógrafo meticuloso e um sociólogo capaz de recriar o ambiente pessoal, familiar e coletivo daquela época, cheia de nuances, de pontos de vista hierárquicos, morais e existenciais, que nos enredam numa teia sedutora, com personagens densos, coloridos, verosímeis e empáticos, estilos diversificados, consoante a focalização da narrativa e recursos linguísticos inovadores, originais, autênticos e vivos, ambientes e histórias incríveis, únicas e pitorescas, tendo como tema principal a extração mineira, o volfrâmio e a II Guerra Mundial em Alvarenga, onde se encaixam emotivas e genuínas micronarrativas familiares e a história de amor entre um casal de jovens que se corresponde por cartas, durante décadas, antevendo as privações de um amor proibido…

José Nuno Pereira Pinto, até aos 11 anos, conviveu com todos, com a sua família, com os seus amigos e companheiros de brincadeira, quer fossem filhos de ricos empresários, de caseiros ou de jornaleiros que vieram para Alvarenga à procura de trabalho. Viu os mineiros, que de sol a sol trabalhavam a troco de parcas moedas, conviveu com mulheres, crianças e jovens que trabalhavam nas minas de volfrâmio e conviveu com os donos de mina que se davam ao luxo de ir de Alvarenga ao Porto para tomar café e que se davam ao luxo de enrolar tabaco em notas de conto quando não tinham mortalha.

Em 1945, José Nuno Pereira Pinto, com onze anos, muda-se com a família de Alvarenga para o Porto, por vontade e decisão de seu pai, impulsionado pela necessidade de dar continuidade aos estudos dos filhos.

No ano letivo de 1945/1946 José Nuno Pereira Pinto repete a 4.ª classe como assistente do professor e seu pai, José Pereira Pinto. Influenciado pelo seu tio cónego, António Pereira Pinto, pela educação religiosa que tivera e pela possibilidade de vir a continuar os seus estudos, José Nuno Pereira Pinto decide ingressar no Seminário, vontade que é respeitada e aceite pelos pais.

José Nuno Pereira Pinto como seminarista e seu pai, José Pereira Pinto

Em 1946/1947 ingressa no Seminário de Trancoso, em Vila Nova de Gaia, em 1949/1950 segue para o 8.º ano no Seminário de Vilar e finalmente para o Seminário Maior do Porto, também conhecido por Seminário da Sé, sendo ordenado sacerdote em 1958, ano em que termina o Curso de Teologia.

Da sua passagem pelo seminário, José Nuno Pereira Pinto confidencia e partilha o sofrimento que sentia, enclausurado no quarto, sujeito a uma disciplina rígida, quase tirânica, relembrando as disciplinas lecionadas sem espírito crítico nem pedagogia, a recriminação de toda é quaisquer conversa entre pares, normal entre jovens, a hora de recolher obrigatória, os castigos, a ausência de quaisquer meios de comunicação como jornais, rádio ou correspondência, o distanciamento imposto relativamente à família e sobretudo a escassa humanidade e solidariedade dos superiores. As memórias mais relevantes que o ilustre autor traz a público são de escuridão, proibição, medo, tirania, silêncio, clausura, opressão e autoritarismo repressivo, memórias essas que contrastavam com as que até então conhecera, em Alvarenga, totalmente opostas.

Foram as vivências e o ambiente tenebroso que testemunhou no Seminário Maior do Porto que mais o impressionaram e que o levaram a escrever a tragédia “Quando a tirania mata pelo silêncio”. Esta peça de teatro, incómoda, certamente, no círculo de poder e de influências do Porto, porque contrária aos mitos criados em torno de figuras conhecidas, é o testemunho vivo e documental, a história factual tal como foi sentida e vivida por um seminarista, o próprio José Nuno Pereira Pinto. Profundamente autobiográfica, sem que o dramaturgo tenha abdicado da componente ficcional, reproduz o drama psicológico da rejeição e do desprezo a que foi votado o cónego Soares da Rocha, que havia sido professor e reitor do Seminário Maior. Esta peça de teatro, nunca representada até à data em que hoje escrevemos, é, antes de mais, uma denúncia do autoritarismo e da desumanidade do Bispo D. António Ferreira Gomes e do Bispo Dom Domingos de Pinho Brandão, seu seguidor, e a reposição da justiça, honra e dignidade à memória do Cónego Soares da Rocha que acabou por se suicidar em abril de 1957, sonegado e ostracizado pela Igreja que o devia proteger e agregar.

José Nuno Pereira Pinto ao lado de seus pais, José Pereira Pinto e Maria da Conceição Pereira Pinto, na missa nova na Igreja de Santa Cruz de Alvarenga, Arouca

Ordenado padre, em outubro de 1958, e tendo todos os seus condiscípulos sido nomeados para ofícios ou benefícios, José Nuno Pereira Pinto, na ausência de nomeação do Bispo Dom António Ferreira Gomes, e por indicação de seu pai, José Pereira Pinto, oferece ao Padre Adriano Pacheco de Oliveira, pároco na Igreja da Senhora da Conceição, os seus serviços, não como coadjutor, pois o Bispo já havia nomeado um condiscípulo seu para esse cargo, em meados de agosto.

Em abril de 1959, continuando sem nomeação nem qualquer informação por parte do Bispo, o nosso ilustre José Nuno Pereira Pinto decide indagar diretamente Dom António Ferreira Gomes para perceber a razão daquele silêncio e por que corria o boato de que para o Bispo estaria “queimado”, perguntas às quais o Bispo lhe respondeu com a nomeação para coadjutor do pároco de Sandim, em Vila Nova de Gaia “uma paróquia de 5000 habitantes e pároco inválido”, onde acabara por permanecer até novembro de 1960, altura em que foi nomeado para pároco de Travanca, em Santa Maria da Feira, por D. Florentino.

Foi-lhe negado o pedido para estudar Filologia Clássica a pretexto de não ter utilidade para a igreja e porque o Bispo já havia enviado um condiscípulo seu para estudar Românicas na Universidade. José Nuno Pereira Pinto sentia-se isolado, marginalizado, sentimento que o acompanhava desde o primeiro momento, pois “trazia a alma devastada por um exemplo – o do Pároco Adriano Pacheco de Oliveira – um paradigma de ignorância, incultura, mercenarismo, farsa, desonestidade, fingimento e de um Bispo desleal, desumano, retaliador e tirano” (Diário Imperfeito 2015:124).

Enquanto pároco em Travanca, em 1961/1962 fez o sétimo ano do Liceu, pois o Curso de Teologia tinha equivalência apenas ao 5.º ano liceal, embora, com este curso, se pudesse lecionar, no ensino particular, grego, latim, português e literatura portuguesa. No mesmo ano, matricula-se em Filologia Clássica, na Universidade de Coimbra (que terminou em janeiro de 1972 a tese de licenciatura com o nome “A tragédia de D. Duarte, de Diogo Paiva de Andrade” que viria a ser publicada em 1986 pela Imprensa Nacional da Casa da Moeda com tradução por José Nuno Pereira Pinto, a única existente da obra, até à data).

José Nuno Pereira Pinto, estudante em Coimbra, 1963

Paralelamente aos estudos em Filologia Clássica, José Nuno Pereira Pinto nunca abandonou os estudos musicais. Em Travanca, tinha sala do piano, onde tocava valsas de Chopin e onde recebia a sua mãe e as suas irmãs, especialmente nas férias de Verão, ocupações que o ajudavam a suportar a solidão e o isolamento inerentes à missão do sacerdócio, mas também por se sentir desprezado, abandonado e esquecido pela diocese.

José Nuno Pereira Pinto, sua mãe e irmãs, na casa paroquial de Travanca, 1963

Enquanto viveu em Travanca, cumpriu com zelo a sua missão, acalentando sempre o desejo e a determinação de continuar a estudar, por vontade própria, mas também para cumprir o sonho de seu pai que, apesar de ter sido aceite na Faculdade de Letras do Porto, acabara por não tirar a licenciatura. José Nuno Pereira Pinto matriculou-se em Coimbra e frequentou a Universidade, servindo-se da boa localização de Travanca face a Coimbra, cuja ligação se fazia por comboio. Sentindo-se agir contra a vontade da diocese, sem que percebesse a razão pela qual a diocese lhe negava o direito de estudar, José Nuno Pereira Pinto estava dividido e dilacerado, sentindo-se mais isolado, perseguido e castigado, com dificuldades económicas, enquanto que via condiscípulos seus a gozarem de todas as ajudas da diocese para se licenciarem na mesma universidade que lhe havia sido proibida e sem que conseguissem terminar o curso!
Em outubro de 1963 esteve internado quase um mês no Hospital de S. Francisco, no Porto, convalescendo depois em casa dos pais e regressando a Travanca em janeiro de 1964, período em que o Bispo nunca lhe dera uma palavra nem o vigário o visitara. Seria o corpo a exteriorizar os males de alma que assombravam José Nuno Pereira Pinto?
Em julho de 1964, a sua sorte começaria a mudar pois José Nuno Pereira Pinto poderia ter possibilidade de acumular o sacerdócio com a docência, pois recebia na casa paroquial a visita do diretor do Externato de Santa Maria da Feira que lhe lançava o convite para lecionar as disciplinas de Grego, Latim e Literatura Portuguesa, o que lhe permitiria abrir o chamado terceiro ciclo em outubro seguinte, convite que prontamente aceitou e cujo salário lhe permitiria dirimir as privações que tinha vivido ao longo dos últimos quatro anos, durante os quais precisou de se socorrer da ajuda dos pais.
Continuava dececionado com a diocese, mas sobretudo com o Bispo Dom António Ferreira Gomes que implementara na diocese aquele ambiente autoritário, injusto, humilhante e desumano para com aqueles que não o bajulassem nem fossem movidos por interesses (políticos?). José Nuno Pereira Pinto sentia-se desintegrado da hierarquia eclesiástica que considerava anticristã na medida em que não via correspondência entre as homilias e as ações, ao ponto de considerar o abandono do sacerdócio.
Em inícios de 1965, José Nuno Pereira Pinto começou a perspetivar de forma mais determinada o seu futuro fora da vida eclesial, ainda que o não revelasse a ninguém. Nas esferas eclesiásticas já tinham conhecimento que exercia a docência e o sentimento de abandono, de solidão e de desilusão relativamente à diocese eram tamanhos que estava decidido a abandonar Travanca em finais desse ano, o que veio a concretizar-se em novembro, após comunicar a sua decisão, em audiência, a D. Florentino (Administrador Apostólico, com todos os poderes, em substituição do Bispo D. António Ferreira Gomes, ausente do país entre 1959 e 1969).

José Nuno Pereira Pinto na praia

Em novembro de 1965, sem paróquia, regressa a casa dos seus pais, no Porto, e continua a lecionar no Externato da Vila da Feira até setembro de 1966, altura em que recebe o alvará que o coloca como professor do primeiro grupo no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, onde 20 anos antes fazia exame de admissão e onde leciona em 1966/1967.

Em julho de 1967, e volvidos dois anos em que continuou padre, mas sem paróquia, pede nova audiência a D. Florentino e informa que fará entrar de imediato requerimento com pedido de dispensa eclesial. Esta foi autorizada, após decorrerem todos os procedimentos e avaliações necessários, o que permitiu que José Nuno Pereira Pinto voltasse a subir ao altar-mor da Sé Catedral do Porto, precisamente dez anos e três meses depois de ser ordenado padre, mas desta vez para se unir a Maria da Natividade Gomes Negreiros Pereira Pinto por casamento canónico e ao qual haveria de retornar novamente vinte e cinco anos depois, para o batizado do seu primeiro neto!

Enquanto aguardava a dispensa de votos, continuava a lecionar, no ano letivo de 1967/1968 no Liceu Nacional de Gaia e, em 1968/1969, estava já casado, residente na Senhora da Hora e colocado no Liceu Nacional da Póvoa de Varzim.

Em setembro de 1969 nasce o seu filho com Natividade, a quem chama Pedro Nuno e a quem dedica a sua primeira narrativa autobiográfica “Silêncio”, publicada dez anos após o seu nascimento, em 1979, e que tem como centro nevrálgico o drama psicológico e existencial, autobiográfico do autor e narrador que recria o conflito interior que viveu e sentiu durante sete anos, de 1958 a 1965, dando voz aos monólogos em silêncio, às dúvidas, às tristezas, às frustrações, aos sentimentos de isolamento, solidão, desilusão e de revolta, ampliados pelo sentimento de injustiça e de aprisionamento pessoal, social, moral e intelectual, sendo-lhe recorrente a expressão que ouvira que “os padres atiram-se à lama”, sentimentos esses que apesar de escuros e sofridos tiveram um desfecho feliz e que culminaram com o nascimento de seu filho. José Nuno Pereira Pinto deixava de advogar a “paternidade espiritual” para se afirmar como pai biológico, constituir a sua própria família e exercer a sua “paternidade material” que foi e continua a ser, com toda a certeza, o seu maior projeto de vida e do qual sente o maior orgulho e realização.

José Nuno Pereira Pinto, aos 35 anos, e após dez dolorosos anos, trilhou um novo rumo, tendo como foco a paternidade, o devir, a ternura e a família, que constituíram sempre o seu equilíbrio e que a Igreja não foi capaz de substituir ou subsidiar. Sem ver abalada a sua fé, José Nuno Pereira Pinto entendeu que a sua missão seria a de continuar a servir a Deus, mas enquanto pai e professor, pois a paternidade e a família configuram em si mesmas a materialização de Deus em Cristo, a esperança renovada e o mais genuíno e puro ato de amor, no que este tem de simultaneamente natural e transcendental, sendo a vida e a criação o maior milagre…

Meninice – I

E vou crescer

como a árvore

até ficar com flores?

E depois dar frutos?

E onde lançarei as sementes

que em meu coração

estão a germinar?”

(Que passem sorrindo, poesia reunida, 2005:181)

Apesar da felicidade encontrada no matrimónio e da realização do sonho da paternidade, o abandono do sacerdócio foi uma dura prova pela qual o nosso ilustre autor teve de passar, juntamente com a sua família que aceitou e respeitou a decisão. José Nuno Pereira Pinto afirmou ter sentido o estigma, o preconceito e a desconsideração social persecutórios, confessando que houve “amigos” que lhe viraram as costas e fingiram não o conhecer. Apesar de inicialmente pensarem que seria professor de Educação Moral, José Nuno Pereira Pinto distancia-se do rótulo de ex-pároco e destaca-se como docente de Português, Latim, Grego e Literatura Portuguesa.

No ano letivo de 1969/1970 foi colocado na Escola Técnica de Vila Nova de Gaia, regressou em 1970/1971 ao Liceu de Gaia, onde continuou por mais um ano letivo e onde frequentou estágio para o 1.º grupo, Grego Latim e Português, concluindo-o com Exame de Estado, em agosto de 1972. Nesse mesmo ano, em outubro, ingressou no Liceu Nacional de Matosinhos, onde permaneceu durante 22 anos letivos consecutivos e ininterruptos, até se reformar, em 1995.

Realizou o Curso de Ciências Pedagógicas, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1970 e matriculou-se, nesse ano, em Direito que concluiria em 1976, na Universidade de Coimbra, passando a exercer a partir de 1977.

Exerceu funções diretivas no Liceu de Matosinhos entre 1974 e 1976 e entre 1980 e 1983.

Conforme já tivemos oportunidade de referir, publicou o seu primeiro romance intitulado “Silêncio” em 1979, com 45 anos de idade, iniciando um período áureo de enorme atividade, enquanto docente, advogado, romancista, poeta, contista, dramaturgo, académico, jurista, historiador e ensaísta, atividades que mantém até aos dias de hoje, à exceção da carreira docente da qual se aposentou com 31 anos de serviço.

José Nuno Pereira Pinto em 1994

Licenciou-se em Direito Canónico pela Universidade Pontifícia de Salamanca, com a “Memória” de Licenciatura “A Imprescritibilidade no Direito Civil Português e em Direito Canónico”, em 1991, e frequentou doutoramento em História Contemporânea em 2010-2012, de que resultou o livro “A primeira República no concelho de Arouca”, publicado em 2014.

Exerceu o cargo de Juiz do Tribunal Eclesiástico, relator em segunda instância, entre 1995 e 2000, tendo pedido escusa de continuar, em mandatos subsequentes, mantendo-se, todavia, Advogado e Canonista, perante os Tribunais Eclesiásticos.

José Nuno Pereira Pinto é um ilustre autor, com obra diversificada, quer do ponto de vista formal, quer de género, que surpreende pela interação com o leitor, pela subtileza da escrita, pela inovação do discurso poético, sintético, sugestivo e sensacional, pela universalidade das temáticas, pelo colorido das personagens, que apesar de tão genuinamente caracterizadas e construídas são facilmente tipificadas e representativas de uma época. José Nuno Pereira Pinto é um autor contemporâneo como poucos, que pertence a um grupo já reduzido de autores multifacetados, com muitas e diversificadas obras publicadas a quem é merecido o reconhecimento, mas sobretudo o conhecimento e a leitura do que escreveu para a posteridade. Foi um ilustre professor, carismático, que marcou certamente a maioria dos alunos que pelas suas mãos passaram nas diversas escolas onde lecionou.

Apesar de ter concluído cinco licenciaturas, lamenta não ter tido tempo para tirar Medicina nem Música. É um exímio pianista, compôs alguns temas que interpreta para a sua família e para um grupo muito reduzido de amigos, no piano de sua casa. Toca guitarra e é amante do fado de Coimbra, de música clássica e de ópera.

Tem uma biblioteca pessoal de enorme valor, centrada em Literatura Clássica e Moderna, Historiografia, História da Arte, Música, Direito e Teologia/Religião, bem como periódicos de relevante valor científico como é exemplo a revista Letras e Letras de que foi diretor adjunto de 1992 a 1994, com seu também ilustre amigo Joaquim Matos.

Quanto ao seu acervo documental enquanto autor, José Nuno Pereira Pinto doou, em 2018, à Câmara Municipal de Arouca, todos os manuscritos dos livros que escreveu, incluindo apontamentos, pesquisas, fontes bibliográficas, organizados em dossiês, disponíveis para consulta no Arquivo Municipal.

Único filho varão de uma prole de onze que sobreviveram, José Nuno Pereira Pinto faz parte de uma ilustre família de professores, encabeçada por José Pereira Pinto, que somando o tempo de exercício docente de cada elemento da família (pai, filho e 10 filhas), concedeu à sociedade 427 anos de docência, abrangendo todos os graus de ensino!

José Nuno Pereira Pinto e suas irmãs, em 2003

É detentor de uma memória visual incrível, capaz de relembrar factos, situá-los em tempo e local precisos, muito humano e sensível, altruísta, orgulhoso da sua terra e defensor do património, impulsionador da Cultura e do Conhecimento, de uma perspicácia aguda, associando a memória do passado à atualidade, ao mesmo tempo que projeta o futuro, com esperança e positivismo.

Nem sempre compreendido, José Nuno Pereira Pinto é de facto uma figura ímpar, que prima pela dedicação à docência, pela qualidade literária das obras que escreveu e publicou, pela retidão com que sempre norteou a sua vida, pela honestidade intelectual, por partilhar a sua perspetiva e o seu ponto de vista sobre o que o rodeia, mesmo que saiba estar a nadar em contracorrente, como são exemplo as críticas literárias que faz a Eugénio de Andrade, a quem não reconhece o mérito que sumptuosamente lhe é atribuído, e as críticas que tece relativamente a figuras consagradas como o Bispo Dom António Ferreira Gomes, que considera ser um mito a ser desconstruído, incentivando ao estudo e investigação séria desta personagem, em benefício da verdade dos factos, pois lamenta serem-lhe atribuídas características, doutrinas e obras sociais que não passam de mitos por comprovar.

José Nuno Pereira Pinto, mesmo sabendo que seria incómodo, escreveu e publicou em 2015 “Diário Imperfeito”, dando a conhecer a sua verdade, o seu testemunho pessoal do muito que viu, ouviu, presenciou e sentiu, sendo felicitado por Gaspar Martins Pereira, seu antigo aluno de Latim, pelo “ideal de liberdade, na troca franca de opiniões, num mundo mais tolerante e fraterno (…), liberto do pensamento único e de todos os totalitarismos bárbaros que ameaçam a Humanidade”.

Depois de “Diário Imperfeito”, José Nuno Pereira Pinto publica “Duas variações sobre o tema da morte”, em 2018, a peça de teatro “Quando a tirania mata pelo silêncio”, em 2018, e “Adenda à poesia reunida” em 2019.

José Nuno Pereira Pinto, atualmente nos seus 87 anos de vida, e depois de tantas páginas editadas em livro, publicou recentemente “Esparsos” de seu pai, José Pereira Pinto, onde constam poemas, conferências, comunicações e artigos inéditos deste e onde acrescenta notas biográficas dos filhos, num gesto singelo que pretende homenagear o legado de seu pai que esteve na origem, talvez, da maior família dedicada ao ensino, pois todos os onze filhos de José Pereira Pinto foram professores e homenagear as suas irmãs, algumas que infelizmente já não estão entre nós.

José Nuno Pereira Pinto escreveu mais de duas dezenas de obras, em narrativa, em poesia, em ensaio, em historiografia e em teatro. Em todas elas, de ficção e de não ficção, subjaz o pensamento filosófico e sociológico do autor que reflete e dá a refletir sobre o sentido da vida, sobre o existencialismo, sobre a relação entre o homem e a divindade, entre a vida e a morte e entre a felicidade/sofrimento, patenteada entre a infância/idade adulta, sobre a relação entre o homem e os seus pares, em sociedade, muitas vezes entumecida pela existência de máscaras, mentira, hipocrisia, egoísmo, vaidade, inveja, intriga, calúnia, desprezo e desumanidade.

Da escrita de José Nuno Pereira Pinto constatamos a apologia da verdade, dos valores morais, da cultura e da educação, das artes, da família, do trabalho, da vida simples, rural, genuína, boa e verdadeira como o são as árvores e as aves e a vida como o dia, desde o raiar da luz nascida do escuro e do silêncio, até ao crepúsculo saudoso que encerra em si mesmo o início e o fim. Denuncia a desonestidade, a mentira, a maldade e a perfídia que considera travões ao desenvolvimento da humanidade e à felicidade plena. É nesta dialética que o autor se reinventa e renova a literatura, trazendo os temas de sempre, universais, para a agenda contemporânea, de forma criativa, plástica, mas tão próxima do leitor de hoje que se pretende informado e culto.

Quanto à obra poética de José Nuno Pereira Pinto, esta merece uma leitura demorada, tal é a sua qualidade intrínseca. Serão poucos os bons autores em prosa e em poesia. José Nuno é, sem dúvida, um deles, acrescido de que também se destaca na dramaturgia, nos ensaios e na historiografia!

Sobre a “Poesia reunida” de José Nuno Pereira Pinto, Joaquim Matos no brilhante prefácio ao mesmo, afirma “E pela luz se fecha o ciclo, que pela luz se iniciou. No espaço intercalado, a existência se desdobra dando corpo ao ente, com seus desassossegos e seus deslumbramentos, no sabor do mel e do fel. No ser, nexo entre a matéria e o Ser, está a chave desta poética”.

Se a poesia é plurissignificativa e é a materialização das ideias, sentimentos e imagens através do encadeamento de frases sintaticamente musicais e plásticas, a sua prosa é em “Silêncio” uma prosa poética, de um romantismo impregnado de realismo, simbolismo e de impressionismo, tais são as dialéticas existenciais do autor/narrador/protagonista que reflete os seus estados de alma na natureza que observa e que com ele se solidariza… Já o romance “Da outra margem” está o registo etnográfico, histórico, social e pitoresco de Alvarenga, mas também do Porto na segunda guerra mundial, tão apreciado pelo cineasta Paulo Rocha que viu nele tema para filme…

Também na dramaturgia, José Nuno se destaca e deixa-nos três peças, a primeiro enquanto tradutor de Diogo Paiva de Andrade, a segunda com “O Cônsul” e a terceira com “Quando a tirania mata pelo silêncio” que Fernando Dacosta defende, no prefácio à obra, ser “uma peça teatral de uma profundidade e densidade invulgares na atual dramaturgia portuguesa, pelo seu classicismo estilístico, pela sua respiração cénica, pela sua espessura dramática, antes, temática, a que se junta a frontalidade do narrado”, apesar de antever que “esta obra não deve conhecer, dada a incomodidade que a caracteriza, subidas fáceis à cena”. Apesar da última peça, e mais recente do autor, estar centrada em figuras consagradas nas mais altas esferas do Porto, D. António Ferreira Gomes e D. Domingos de Pinho Brandão, e delas não transmitir uma imagem abonatória consentânea ao cargo que ocupavam, considero que todas as peças, sem exceção, são passíveis de serem representadas pelas melhores companhias e pelos melhores atores, haja para isso coragem, que público não faltará, pois é cada vez mais evidente que são necessárias peças verosímeis, que eduquem, que emocionem, que revoltem e que tragam para o palco temas, histórias, personagens e autores nacionais. Faz falta a divergência de opiniões, o debate sério e respeitador de diferentes pontos de vista, a partilha de ideias contrárias, em prol da liberdade de expressão, do rigor da história e da formação da cidadania e do espírito crítico!

José Nuno Pereira Pinto, pelo seu percurso de vida singular, mas sobretudo pela dedicação em prol da educação e do ensino, do exemplo que nos lega e das obras que escreveu, merece todo o nosso reconhecimento e consideração, sendo com toda a legitimidade, um ilustre portuense, digno desta homenagem que aqui prestamos, para assinalar o seu 87.º aniversário.

Fotos de Margarida Rocha e da família de JNPP

Texto de Margarida Rodrigues Rocha

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