Dos espaços conventuais para os espaços digitais
Não teve o habitual e grandioso ajuntamento de pessoas, nem o contacto físico e sensorial com os maravilhosos espaços conventuais, das edições anteriores, devido à pandemia que, desde há alguns meses, veio alterar, radicalmente, a normalidades das atividades humanas por todo o mundo.
Por isso, e muito bem, foi preciso alterar, reconfigurar e adaptar a esta nova realidade, a maior parte das atividades, desde há muito já programadas, como foi, entre muitos outros casos, a recriação Histórica deste ano, subordinada ao tema: Arouca História de um Mosteiro.
Em substituição de um vasto conjunto de atividades centradas no espaço monástico e em toda a zona histórica e em que a participação popular e o convívio humano eram as suas principais caraterísticas e base principal do seu grande sucesso, a Autarquia preparou, em alternativa, um conjunto de atividades para o espaço digital e que, ao longo de uma semana (de 11 a 19 de julho) foram dando corpo a esta versão virtual de uma Recriação Histórica que ficará, obviamente, também para a História.
Um vasto e variado programa.
A abertura da versão digital da Recriação Histórica deste ano foi feita através de uma mensagem da Presidente da Câmara, Margarida Belém, que elegeu o Mosteiro de Arouca como tema central desta sua comunicação, até porque ele tem acompanhado, ao longo dos séculos, a evolução dos tempos, tendo sido também testemunho do apogeu e do declínio das ordens religiosas que o habitaram.
Após a abertura oficial, seguiu-se um momento musical com o Grupo de Charameleiros de Arouca.
A música
Possuindo este Mosteiro no seu riquíssimo cadeiral e instalado no seu coro alto, um belo exemplar do rei dos instrumentos, o órgão ibérico datado de 1743, era imprescindível, nesta recriação histórica, dar-lhe a palavra. E foi isso que aconteceu, logo no primeiro dia, através de um excelente momento musical, mediante o qual foi possível admirar a extraordinária sonoridade deste centenário órgão em estilo joanino. A acompanhar o organista Tiago Ferreira, Ivo Brandão foi tecendo interessantes e pedagógicos comentários sobre as peças interpretadas e seus autores, o que fez deste mini concerto um momento cultural e musical muito rico, apesar do “público” presente se ter restringido aos 104 assentos vazios feitos em madeira de jacarandá do Brasil.
Um outro momento musical, inserido neste programa digital, foi proporcionado pelo grupo “Ventos do Atlântico” que interpretou algumas peças de música barroca, num espaço igualmente barroco, como o é o magnífico cadeiral do Mosteiro de Arouca.
A arte e os ofícios
E foi sobre a riqueza artística deste espaço conventual que o Juiz da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda, Carlos Brito, teve uma conversa virtual centrada nos tesouros artísticos escondidos no Mosteiro de Arouca, apresentando uma possível leitura das pinturas em espaldares de madeira que se encontram no imponente cadeiral barroco do Mosteiro de Arouca.
Além desta, outras conversas se foram desenrolando para o espaço digital, ao longo desta Recriação histórica, abordando, não só a arte de entalhar, pelo entalhador Júlio Leal, como também a conservação e restauro, com Joana Almeida, bem como a arte gastronómica da doçaria conventual.
E dentro das conversas virtuais destaque-se aquela em que o Director Regional da Cultura do Norte, Dr. António Ponte abordou, não só sobre as atuais obras para a criação de uma nova estrutura de acolhimento para os visitantes do Mosteiro de Arouca, como também sobre as futuras obras para a instalação de uma unidade hoteleira na ala sul deste Mosteiro, integrada no Programo governamental “Revive”.
Lendas à janela
As lendas de Arouca, nomeadamente algumas daquelas que se referem ao seu Mosteiro, fizeram parte também do programa digital desta Recriação Histórica de 2020.
Além da “lenda de Soror Rosimunda”, interpretada pelo Grupo Cultural e Recreativo de Rossas, também a “Lenda das pegas” na interpretação do Teatro Experimental de Arouca, foi enviada para o espaço digital, tal como a história do “Preto de Terçoso”narrada pelo ator Philippe Leroux, junto ao fontanário dos claustros.
Interpretadas em espaços conventuais, por artistas de Arouca, estas lendas acabaram também por enriquecer o programa digital desta recriação histórica, dirigida essencialmente a um público que permaneceu em suas casas, mas que certamente não deixou de acompanhar, com muito interesse, na janela do seu computador ou da sua televisão, o programa especial que para ele foi preparado devido às contingências pandémicas que afetaram a normalidade das atividades, quer sejam elas culturais, sociais, religiosas ou económicas.
A história do Mosteiro de Arouca em 3 episódios
A grande novidade desta Recriação Histórica em formato digital foi, certamente, a realização de uma minissérie em 3 episódios, produzida em espaços conventuais para os espaços digitais que foi acompanhada com muito interesse, sobretudo nas redes sociais.
Com um guião muito bem pensado, com a boa interpretação dos intervenientes e a sua boa adequação aos espaços conventuais, podemos dizer que a realização desta minissérie foi a cereja sobre o bolo desta recriação histórica.
Contando com a participação de 55 atores locais, ela encerrou, assim, em beleza digital, uma recriação histórica que ficará certamente para a história, esperando que a próxima edição supere em participação popular aquilo que faltou, justificadamente, à edição atípica deste ano.
Texto de José Cerca