Para as antigas gerações. «ter porquinho para o ano» significava ter alguma coisa na salgadeira para o ano inteiro. Acontecia nas famílias abastadas, remediadas ou a viverem com dificuldades. Só a extrema pobreza, que era muita, impedia de comprar o «reco», que vinha normalmente da feira.
Mas depois era preciso que tudo corresse bem. Acautelar as doenças, o mau olhado, os males de inveja, todas as coisas imaginárias ou não que nesse tempo eram sempre verdadeiras.
Era, sobretudo, necessário recomendar o bicho ao Padroeiro Santo António. Oferecer-lhe, se tudo corresse bem, uma peça de carne, sobretudo uma orelheira. E, por ocasião do Carnaval, «o homem do saco» recolhia-as às centenas e eram entregues, normalmente, às Comissões de Festas, responsáveis pelos festejos ao santinho no mês de junho.
Seguiam-se os leilões, nos adros das igrejas e capelas, porque era impossível imaginar um Carnaval sem ter à mesa a saborosa orelheira.
Curiosamente, esta é uma tradição que persiste em algumas freguesias do concelho. Numa terra onde tantas coisas acabaram, umas porque tinham de acabar outras por desleixo, em alguns locais ainda se realizam leilões de orelheiras. E o objetivo é o mesmo: contribuir para as obras ou as festas que há doís anos não se realizam, e todos ou quase todos apostam que em 2022 vão voltar.
E já não era sem tempo. A não ser em casos graves ou muito graves, que agora nos ameaçam, é de todo o interesse preservar as tradições populares. Caso contrário seremos cada vez menos um povo com uma cultura própria e uma identidade.
Texto: (A.B.). Foto: Carlos Pinho (arquivo)