Fundado em 1984 pelo arqueólogo Fernando A. Pereira da Silva (1953-2010) e outras personalidades, de Arouca e outras localidades, o Centro de Arqueologia de Arouca tem desenvolvido intensa atividade na salvaguarda, estudo e valorização do património arqueológico de Arouca e da região, nomeadamente pela realização de campanhas de escavação arqueológica (como os Campos Arqueológicos de Arouca, realizados até 2008 e que envolveram milhares de voluntários, do país e do estrangeiro) colaboração em colóquios e jornadas de estudo, visitas, colaboração com numerosas entidades e muitas outras atividades. Graças à existência desta associação, o espólio arqueológico da maior parte das intervenções efetuadas em Arouca encontra-se depositado no concelho e, ao mesmo tempo, Arouca é um dos municípios do país com maior número de estudos publicados sobre a arqueologia do seu território, que atingem já cerca de duas centenas de publicações, feitas tanto em Portugal como no estrangeiro.
Em tempo de pandemia, o Discurso Directo falou com António Silva, presidente do Centro de Arqueologia de Arouca (CAA), no sentido de perceber como tem decorrido a atividade da associação, bem como as dificuldades sentidas e objetivos para o futuro.
Discurso Directo (D.D.): É Presidente do Centro de Arqueologia de Arouca desde que ano? Como tem corrido o seu mandato?
António Silva (A.S.): Sou presidente do Centro de Arqueologia de Arouca (CAA) há vários mandatos. O trabalho que se vai realizando é sempre muito cooperativo e partilhado, pelo que a noção de “mandato” tem pouca relevância nesta associação.
D.D.: Quais foram e são as suas principais linhas de ação e objetivos que pretende alcançar?
A.S.: A ação do CAA orienta-se, essencialmente, para a salvaguarda, o estudo e a valorização do património arqueológico da região do Entre Douro e Vouga, não só de Arouca. Nesta linha, o nosso trabalho tanto se desenvolve no concelho de Arouca como noutros. Em termos de investigação arqueológica com recurso e escavações, os trabalhos em Arouca estão parados desde 2008, por razões que já foram divulgadas, mas desde 2011 temos vindo a desenvolver programas de escavação em sítios arqueológicos de Estarreja, Albergaria-a-Velha, Espinho e Vila Nova de Gaia, ao abrigo de vários projetos aprovados pela Direção Geral do Património Cultural e com o apoio empenhado daqueles municípios.
D.D.: Quantos elementos tem o Centro de Arqueologia de Arouca e de que forma estão distribuídos?
A.S.: Temos várias dezenas de sócios, onze dos quais nos corpos sociais. Muitos sócios são de Arouca; outros são pessoas com diversas formações, não só de arqueologia, que de algum modo colaboraram ou colaboram com a associação ou apreciam e querem apoiar o nosso trabalho, o que aliás nem “custa” muito, pois a quota anual de associado é de apenas 10,00 euros.
D.D.: Que trabalhos estão a decorrer neste momento?
A.S.: Além das campanhas de escavação que vão decorrer este ano naqueles municípios, neste momento estamos particularmente empenhados nas ações relacionadas com a mudança de sede associativa e do depósito de bens móveis arqueológicos de Arouca, pois vamos deixar o mosteiro para novas instalações em Canelas e Várzea, cedidas pela Câmara Municipal e pela Junta de Freguesia de Várzea.
Tem havido diversas colaborações com a Autarquia e Geopark Arouca e há outras atividades projetadas, nomeadamente ao nível da divulgação e valorização dos sítios e objetos arqueológicos, que a seu tempo serão trazidas a público.
D.D.: Com as obras no Mosteiro de Arouca, a Câmara Municipal cedeu a antiga Escola de Mealha ao Centro de Arqueologia de Arouca. O que acha destas novas instalações, foram do agrado da associação? Para quando será a mudança?
A.S.: Não só a Escola da Mealha, também, através de um protocolo de comodato com a Junta de Freguesia de Várzea, a antiga escola básica daquela freguesia. Estamos ainda em processo de mudança e, acreditamos, o espaço deverá ser suficiente, tanto para guardar os objetos arqueológicos, como para o seu estudo e outras atividades da associação.
D.D.: Como tem corrido esta recente parceria com o Museu Municipal?
A.S.: A nossa colaboração traduziu-se, quase exclusivamente, pela cedência de peças arqueológicas, e, ao contrário do que sucedeu em 2008, quando o museu abriu, não fomos responsáveis nem pela seleção nem pela organização ou legendagem dos objetos expostos.
D.D.: Considera que a população e até a própria Câmara Municipal dão a devida importância ao património arqueológico do concelho?
A.S.: O processo de educação patrimonial é longo e tem dificuldades, tanto para a população em geral como para os autarcas. A sensibilidade e cultura patrimonial destes últimos é muito variável, tanto em Arouca como em outras autarquias. É muito difícil ter uma política consequente de salvaguarda e valorização porque a maioria dos autarcas vê os bens arqueológicos apenas como turismo potencial e não dignificam a salvaguarda aos níveis mais básicos. Os Planos Diretores Municipais têm sido uma oportunidade perdida, e há diversos casos recentes de destruição e afetação negativa de sítios arqueológicos em Arouca nos quais a entidade de tutela foi totalmente ausente e ineficaz; e a Autarquia, do mesmo modo, desresponsabilizou-se totalmente, com base em argumentos jurídicos até discutíveis. As Câmaras e as Juntas de Freguesia deviam entender que o património arqueológico local, não sendo sua “propriedade”, tem de ser defendido à escala local – não é um serviço administrativo sediado no Porto, em Lisboa ou em Coimbra que vem resolver todos os problemas. Há uma coisa que muitas vezes é esquecida: o património arqueológico é finito e não renovável. A sua compatibilização com o que os autarcas entendem, geralmente, como desenvolvimento é totalmente possível e conta com excelentes exemplos, mas tem de haver vontade e visão a 360º (o que, em meu entender, é um dom raro).
D.D.: A pandemia Covid-19 afetou a atividade do Centro de Arqueologia ? De que forma?
A.S.: Sim, bastante, no sentido em que nos obrigou a suspender muitas atividades em curso, mas agora estamos a regressar à normalidade, felizmente.
D.D.: Quais são as maiores dificuldades da associação?
A.S.: Como uma associação pequena, vivemos sempre uma situação financeira restritiva, se bem que os projetos de investigação ajudem também a pagar o apartado postal, o contabilista e as despesas da luz… mas destacaria, sobretudo, a dificuldade em envolver novos “militantes” do património, o que resulta da crise generalizada do associativismo. Muitas pessoas preferem ficar em casa a partilhar parvoíces nas redes sociais ou a comentar de ânimo leve as notícias mais inúteis do que sair e partilhar com outros, construindo o futuro de uma forma civicamente mais ativa e comprometida.
D.D.: Quais são os objetivos para o futuro?
A.S.: Prosseguir o trabalho que já leva quase 40 anos: defender, estudar e valorizar o património histórico-cultural, especialmente o de matriz arqueológica. Gostávamos, também, de alargar a nossa ação numa lógica de rede, não só digital mas, sobretudo, em crescente colaboração com outras associações e entidades públicas, sejam instituições culturais, educativas, políticas ou outras. Estamos sempre abertos à informação e à colaboração. Aquilo em que trabalhamos transcende gerações e territórios, e enriquece quem nisso participa.
Fotos: CAA