O Caminho da Fé | A Peregrinação a Fátima de Três Arouquenses

O DD acompanhou a viagem até ao Santuário de Fátima de três Peregrinas Arouquenses. Alice Brandão, Laurinda Duarte e Rita Pereira relataram há quanto tempo realizam esta experiência, o que as levou a lançarem-se nesta provação, os obstáculos mais desafiantes e os melhores momentos daquela que foi uma das experiências mais enriquecedoras das suas vidas.

Motivos de saúde relacionados com os seus filhos levaram Alice Brandão numa jornada até Fátima. A veterana realiza esta peregrinação desde 89, (há trinta e cinco anos), e nunca mais parou. Além de Fátima também vai, todos os anos, “à Santa Eufémia, Senhor dos Enfermos e à Senhora da Saúde em Vale de Cambra”, tudo isto numa perspetiva religiosa, e sempre “com o terço nas mãos”, como garantiu.
O primeiro grupo com o qual caminhou era o maior e “tinha 27 pessoas”, o mais pequeno foi na “Pandemia” e era apenas constituído por Alice Brandão e outra pessoa, sendo que “nunca” foi sozinha. “Nos primeiros anos fui sempre com outros grupos, mas depois quando comecei a decorar o caminho, não achava muita piada em termos de pagar uma dormida, e dormir apenas 2 horas”, relatou. Foi assim que decidiu começar a organizar as suas próprias peregrinações, durante as quais sempre que pode evita as nacionais, e realiza quase sempre o mesmo percurso. Não obstante, “este ano” conheceram um novo caminho “atrás do Portugal dos Pequenitos”, “muito mais seguro” do que o que faziam antes “pela variante fora até Condeixa”, por sinal “muito perigosa”.

“Não deixo ninguém para trás”

“Eu não marco dormidas para ninguém” atirou, revelando que quem for com ela dorme nas “barraquinhas” de campismo que levam, e tomam banho nos campos desportivos, além de demorarem cerca de 4 noites a chegar ao destino. De há 5 anos a esta parte que descobriram um local em Coimbra, “Centro de Dia”, onde param para tomar banho. “A primeira experiência que tive foi sem banho o caminho todo e mochila às costas”, e a parte que mais lhe custa, em toda a viagem, é de Coimbra “para cima”, porque sobem muito e também o segundo dia, pois é a habituação.
Alice Brandão garantiu que uma das coisas mais importantes para si, é que “não fique ninguém para trás”, por isso mesmo é sempre “a última”. Neste sentido, para controlar e gerir melhor o seu grupo já estabelece um número limite de peregrinos, uma vez que já não tem “vinte anos” como disse a sorrir. “Eu não posso puxar pessoas”, desabafou, apesar de já ter puxado “algumas” ao longo dos tempos. “Se vier uma pessoa aí com 50 ou 60 anos que queira fazer a primeira vez que esqueça, porque é muito complicado. Mas se for jovem, que já tenho levado jovens, ok, porque o que custa mais nos jovens é a cabeça nem tanto o corpo, é a mentalidade.”
A peregrina salienta que faz pelos outros, o que “não fizeram” por ela, pois nas primeiras vezes que foi deixaram-na para trás. “Eu chorava muito”, admitiu, até que houve um ano em que se perdeu no meio dos peregrinos enquanto “rezavam o terço”, foi aí que se sentou e esperou que a “viessem socorrer”. “Se demorar um dia a mais não faz mal nenhum, os outros podem ir à frente, que eu espero pelo último”, garantiu.
Houve uma vez que demoraram “cinco horas para fazer dois quilómetros”, pois esses últimos são sempre os mais sacrificados por irem com “ansiedade”. No entanto, quando chegam ao santuário, “à beira da nossa senhora”, “esquecem tudo”, e aí não “há dores”, é só choro. “Ficamos leves, agarrámo-nos uns aos outros e choramos porque conseguimos, porque não ficou ninguém para trás”, contou emocionada.
Quando questionada sobre o melhor calçado para caminhar, garante que são as Havaianas ou os chinelos de quarto “abertos à frente”, denotando que utiliza muito a aguardente para esfregar nos pés e nas pernas de quem a acompanha, e nas suas, pois isso faz com que pele fique “mais seca”, e não ganhe tantas bolhas. Colocar “um penso higiénico” debaixo do pé também é uma boa ajuda, na medida em que absorve o suor. Uma má ideia é comprar uns sapatos específicos só para ir a Fátima, pois as pessoas “têm de andar com os sapatos que andam diariamente”.

“Quem quer ir a Fátima tem de ter fé e não pensar em desistir”

O seu grupo vai sempre “com calma” e nunca “a correr”, parando para descansar, comer etc., além de terem sempre disponível a “carrinha” que leva “tudo o que precisam”. Alice Brandão em jeito de conclusão reforçou que a parte mais importante de toda esta experiência é a parte psicológica e a “pessoa acreditar que quer chegar”. Revelou, de igual modo, a particularidade de apenas caminhar de noite, pois acredita que durante o dia é mais perigoso devido ao trânsito, e desconfortável por causa do calor. “Houve um ano que ia com os outros peregrinos, em agosto, e até as unhas das mãos saíram-me devido ao calor do alcatrão.” “Vou continuar a vir, todos os anos, até não poder mais, para ajudar os outros que é o essencial”, concluiu.
Em 2024 Laurinda Duarte, habitante de Bouceguedim, não conseguiu ir a Fátima, pois foi operada, todavia há já 25 anos que tem esta rotina anual. “Fiz inicialmente uma promessa à nossa Senhora por motivos de saúde, e fui atendida, por isso achei que devia agradecer”, informou, por isso “enquanto puder” vai concretizar esta peregrinação.
O grupo de Laurinda, que reúne maioritariamente pessoas da Ponte de Telhe, costuma fazer o “primeiro dia até Albergaria, segundo dia Coimbra, terceiro Pombal, e o quarto dia Fátima”. No entanto, a organizadora relatou que nas primeiras vezes que se deslocou ao santuário não haviam muitas condições, “faltava o banho”, e caminhavam em setembro, quando não havia apoio de outros Peregrinos, por ser fora da época de romaria. Sendo também uma adepta do chinelo para fazer quilómetros, mais tarde, teve de comprar uns ténis de caminhada por pressão do filho.
Ao DD relatou que numa das primeiras vezes que esteve em Peregrinação, quando o seu filho “ainda era pequeno”, à noite tirou o seu sapato e estava com o pé em sangue, além de ter uma hemorragia no ouvido. Essa situação física fez com que Laurinda perdesse o ânimo, mas como no grupo estavam duas caminhantes que “puxaram” por si, isso fez com que continuasse. “Agora fico sempre para a frente não se pode desanimar, muitas vezes não é o corpo é a cabeça a mentalidade”.
Contrariamente ao testemunho dado por Alice Brandão, Laurinda Duarte não gosta de caminhar de noite, “muito de gosto de ver por onde passo”, mas concorda “que cada um tem a sua”, respeitando. Para si a parte mais difícil é o segundo dia “enquanto não se aquece”, depois “vai-se bem”. Dói “sempre algo”, mas “vai-se”, uma vez que Laurinda acredita que quem disser que “vai a pé a Fátima e não lhe dói nada está a mentir.” “A gente tem de se comprometer que é para o sacrifício, porque se não fosse ficava-se em casa não é”, indica.
Confessou que se “pudesse ia a Fátima” todos os meses, pois fá-lo por gosto, e que a melhor sensação que há é quando se chega à “Santa Catarina da Serra”, pois a pessoa pode “ir toda partida e com tudo a doer”, mas olhasse em frente e vê-se “o sino lá ao fundo”. A parte mais difícil são as “dores físicas”, mas “isto não é nosso”, filosofou a peregrina, exclamando “temos de ir e é para frente!”.

*Reportagem completa na nossa edição impressa já nas bancas;

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