Se só conhece Londres, devo dizer que não conhece a Inglaterra. Bem longe da antiga capital imperial, no noroeste do país, há um pedaço de terra que merece a nossa atenção. Não se trata da «verdadeira Inglaterra», apaniguada pelos chauvinistas, mas da Inglaterra descrita por Orwell em England Your England. A terra onde os pequenos-almoços são sólidos e robustos. A terra onde os domingos são nebulosos e sombrios. A terra onde as cidades são cinzentas e emanam fumo. A terra onde os caminhos campestres são sinuosos. A terra onde os prados são verdes. E, claro, a terra onde as caixas de correio são vermelhas. Essa Inglaterra, ainda que distante, não desapareceu completamente. Em Lancashire, esse imaginário pós-vitoriano pode ser encontrado.
Por razões que não interessam ao leitor, aventurei-me para norte, para lá do rio Severn. Queria conhecer as gentes do Norte. Ver a Inglaterra rural. A Inglaterra dos bardos e do folclore. A Inglaterra dos poetas pagãos. A Inglaterra de Woodsworth. A Inglaterra de Beatrix Potter. A Inglaterra das irmãs Brönte. A Inglaterra que Orwell me descreveu… Parti da estação de Euston, em Londres, e cheguei à cidade de Lancaster ao fim do dia.
Em Lancaster, a atmosfera não podia ser mais saxónia: a luz crepuscular brilhava divinamente, num leito celestial dourado e arroxeado; os corvos crocitavam infâmias no topo dos carvalhos; e os tijolos fumados das cottages vitorianas conferiam à cidade um aspeto campestre e acolhedor. O castelo é soberbo: situado num dos cumes da cidade, o castelo de Lancaster domina a paisagem com as suas torres e os seus pináculos, e o panorama em torno desta obra-prima da arquitetura medieval coloca-nos imediatamente num romance de Walter Scott. Numa das torres, ondula o glorioso estandarte do ducado de Lancaster. Os três leões cintilavam na bruma.
Na cidade, os estudantes circulam de uniforme. Os bêbados reúnem-se em bancos de jardim e os velhos juntam-se nos pubs para beber cerveja morna. Nos pubs – esses pináculos da civilização inglesa – os anciãos dizem mal da once-beloved England, e os mais jovens riem e bebem sem qualquer moderação. As ruas são estreitas. As igrejas lindíssimas. E em qualquer artéria principal há sempre um estabelecimento de comida paquistanesa ou indiana.
Em Galgate, uma vila a poucos quilómetros de Lancaster, pude apreciar a beleza do mundo rural inglês. As quintas muradas parecem saídas de um quadro naturalista, e os rebanhos polvilham os prados e as colinas. Os carvalhos ingleses são majestosos e as vielas arborizadas são de uma beleza quase mística – não há nada mais pacífico, poético e soturno do que prado inglês. As cottages, os pináculos das igrejas, os carreiros e as pontes de pedra enriquecem a panorâmica.
Bem longe dos holofotes de Londres, Brighton, Bath, Cambridge ou Oxford, há, a norte, um reino maravilhoso. Um éden lúgubre para os corações literários. Um recanto para os românticos mais fatalistas. Um destino para os que buscam inspiração e contemplação. Lancashire não é uma terra, é um ideal.