“O que é feito não pode ser desfeito, mas podemos prevenir que aconteça novamente”
No passado sábado à noite, a Loja Interativa de Turismo (LIT) encheu para assistir à peça “Anexo 263 – O Tempo Escondido”. Adaptada a partir da obra “O Diário de Anne Frank”, a Oficina “Reinventa-te” levou a palco 11 jovens que exemplarmente retrataram este período da História, com a emotividade que o tema assim exigia, mas também com ligeiras pinceladas de humor bem característico dos mais jovens.
Depois da contextualização histórica, a peça iniciou-se com os “judeus” em pavor, devido à presença de Hitler, trocando de seguida as suas roupas pelos “pijamas” que os prisioneiros dos campos de concentração usavam, os quais continham a estrela e o número de identificação.
Toda a peça se desenrolou à volta do Diário de Anne Frank e do contexto histórico da época, com o grupo talentoso de jovens a mostrarem ao público todas as limitações às liberdades que os judeus sofriam naquela altura. Além disto mostrou também o pânico, o horror, a pobreza e a incerteza permanentes deste grupo étnico, que vivendo confinados no sótão do anexo referido, sentiam o medo permanente de poderem ser apanhados, como infelizmente acabou por acontecer no final da narrativa. Pelo meio, houve espaço para o amor crescente entre Anne e Peter, retratado de forma bem-humorada.
No final, após os jovens, em uníssono, gritarem “quero continuar a viver depois da minha morte!”, e a recordação do destino fatal das pessoas retratadas (das quais apenas Otto, pai de Anne Frank, sobreviveu), o público arouquense aplaudiu de pé os jovens atores, com parte do público ainda a enxugar as lágrimas derramadas durante o visionamento da peça. Joana Silva, responsável pela direção artística e encenação, subiu ao palco para efetuar os agradecimentos, mas também ela foi tomada pela emoção. E não foi para menos, já que a peça assumiu esses contornos, como seria possível de se pressentir através do texto presente no papel da peça entregue à porta da LIT antes da entrada do público.
“Querido público, em cada cena apresentada, viajamos ao passado e sentimos o que foi viver naquele que talvez tenha sido o mais terrível período da Humanidade. Tantas vezes foram as lágrimas as nossas confidentes. Apresentamos uma vida desumana onde a existência foi tão cansativa que começou a transformar-nos em pessoas desagradáveis. Para que o genocídio nunca seja esquecido…para que nunca nos esqueçamos do que a raça humana foi capaz de fazer…para que nunca deixemos que se repita.”, lia-se nesse papel, que terminava com uma citação à própria Anne Frank: “O que é feito não pode ser desfeito, mas podemos prevenir que aconteça novamente”.
“O elenco jovem cria uma ligação direta com a idade da Anne”
Joana Silva, diretora artística e encenadora, começou por falar ao nosso jornal acerca da criação da “Reinventa-te” e das suas atividades. “A Oficina de Expressão Dramática REINVENTA-TE foi criada em abril de 2022, com a entrada em funções dos novos órgãos sociais da Associação Cultural e Recreativa de Mansores. A Oficina oferece sessões de Expressão Dramática com 1h30 de duração, destinadas a crianças dos 5 aos 18 anos, e realiza-se quinzenalmente às terças-feiras, das 18h30 às 20h00, na sede da Associação”, referiu.
Olhando para a peça em si, Joana Silva salientou a presença de um elenco totalmente jovem, pois “cria uma ligação direta com a idade de Anne e com a de outros que passaram por situações semelhantes, conferindo à peça uma autenticidade e impacto emocionais acrescidos, permitindo ao público entender melhor o que era ser jovem durante a guerra e a perseguição”, para além da vertente educativa, na qual “os jovens atores enfrentam questões profundas sobre a humanidade, a resistência e a esperança”.
O texto, que retrata realidades bastante fortes e emocionalmente pesadas, foi desafiante numa primeira fase, já que Joana procurou “perceber até que ponto os jovens de hoje conseguiriam “aguentar” estas regras, tão opostas àquilo a que estão habituados”. Contudo, admitiu que um dos outros desafios era fazer ver “principalmente aos pais, que o teatro não é feito apenas de comédias”.
O contexto político atual aumentou a pertinência desta peça, pois permite estabelecer “um paralelo entre os horrores vividos durante a Segunda Guerra Mundial e os desafios contemporâneos, num momento em que vemos o ressurgimento de ideologias extremistas, racismo e xenofobia em várias partes do mundo, recordar os erros do passado torna-se essencial para evitar que a história se repita.”, complementou.
Por fim, Joana Silva revelou-nos que todas as 3 sessões realizadas esgotaram, apontando para um número a rondar os 700 espetadores, onde estão “a receber feedback muito positivo de várias pessoas, bem como convites”.
Texto: Simão Duarte
Fotos: Carlos Pinho