O DD continua a viagem pela história do clube, feita em conversa com três figuras de renome
Após a primeira parte desta reportagem, onde demos a conhecer, de um modo geral, a parte história, nesta segunda parte da reportagem damos foco a outras declarações dos nossos entrevistados (Artur Melo, sócio desde 78, Manuel Matos Sousa, antigo comentador dos relatos da Rádio Regional e colaborador do RodaViva e José Augusto “Testinha”, que fez parte da primeira equipa oficial do clube).
Voltamos a começar por Artur Melo para partilhar a totalidade da história da sua viagem à Holanda, na qual houve uma história engraçada a propósito do seu nome: “Fui à Holanda (Heracles Almelo) e à Grécia (Olympiacos). Gostei muito da Holanda, eles vieram cá e também os recebemos bem. Ainda hoje, continuo a ver como anda o Heracles. Era uma cidade pequena, gente boa e estive lá com eles todos, fui à sede deles e criou-se uma amizade. O nome da cidade é mesmo Almelo e eu sou Melo. Lá, jantámos e tal, eu não sabia falar e, quando tal, às três da manhã, eles já sabiam português e nós holandês. Eles queriam saber o meu nome, eu disse “Melo” e eles pensavam que eu estava a dizer o nome da cidade. Tive de mostrar o meu cartão de cidadão e eles ficaram todos contentes pela semelhança”. As viagens pelo território nacional estão também repletas de momentos altos, como, por exemplo, uma ida à Covilhã. “Lembro-me de ir à Covilhã, nós levávamos farnel. Ao fim do jogo, estavam lá os adeptos do Covilhã, abríamos a mala, eles tinham vinho e de comer, trocávamos queijos e vinhos uns com os outros. Era quase em todos os jogos. Tive sempre umas relações boas, nunca ninguém me tratou mal.”, contou-nos, relembrando logo de seguida uma outra viagem, desta vez a Real. “Já fui só eu e o Luisito a Real (Lisboa), só os dois. A polícia estava à espera de um autocarro (de adeptos) e nós chegamos os dois num jipe. Costumava dizer que íamos 102, nós os dois, mais a camisola, que ocupa 100 lugares.”, referiu, entre vários sorrisos.
Manuel Matos Sousa, com uma memória bastante preenchida de momentos do FCA, quis deixar um sentido agradecimento a todos os que passaram pela gestão do clube antes de Carlos Pinho (mas não esqueceu o atual presidente, pois este fez “uma revolução extraordinária, um presidente que pegou no clube na distrital e colocou-o na Primeira Liga”). “Queria aproveitar para fazer um reconhecimento a todos aqueles que sempre estiveram nas direções do Arouca. Não é fácil estar à frente do futebol, muitas vezes com prejuízos, pessoais, familiares e até económicos. Todos esses dirigentes, embora não tenham conseguido êxitos desportivos, lutaram sempre para que o Arouca pudesse sobreviver. Todos fizeram um trabalho meritório, dentro do possível e dos apoios que tinham na altura.”. Este agradecimento tem maior importância devido ao contexto histórico dos primórdios do clube, pois “Arouca era uma vila rural, do interior, fechada, onde haviam poucos acontecimentos. O futebol, como em todo o país, era um ponto de encontro e fazia a diferença ao fim de semana.”. Parte da infância de Manuel Matos Sousa foi lá passada, graças ao seu pai, Afonso Cavadinha. Desses momentos, recordou-nos os intervalos dos jogos: “Aos intervalos, permitiam que fossemos para dentro do campo. O árbitro apitava para o intervalo e a miudagem entrava. Pedíamos à direção umas bolas e a malta toda a brincar espontaneamente. Esse fenómeno de pisar o terreno de terra batida onde os nossos ídolos jogavam, sabia pela vida.”.
Por último, mas não menos importante, José Augusto “Testinha” deu-nos a visão de quem efetivamente jogou nas primeiras equipas do Ginásio, como foi o seu caso. “Antes do futebol oficial, era tudo jogos particulares. Isto depois de acabar o Atlético Clube de Arouca, que era uma equipa de categoria. Tomara o Arouca do meu tempo jogar como eles. Aquela malta foi embora, deixou de existir o futebol a sério. Aqueles tempos eram difíceis. Primeiro, o campo nem sequer tinha as medidas, era pequeno. Pelado, andávamos sempre todos esmurrados. Nunca tive o prazer de jogar num relvado. O nosso campo até tinha um bom piso, fazíamos os treinos e às vezes treinávamos à noite. O Fernando Calçada levava para lá dois carros e punha os carros a trabalhar atrás de cada baliza para a gente poder treinar. Era completamente diferente daquilo que agora se faz, hoje os jogadores são uns privilegiados.”, começou por nos dizer.
Ainda sobre os amigáveis, uma situação recorrente eram as viagens da equipa, feitas com todos dentro do Pontiac de Fernando Calçada. “O Fernando Calçada tinha um carro Pontiac, naquela altura era um luxo, e nós chegamos a ir a equipa completa dentro daquele carro, os onze titulares, mais dois e o sr. David. Quando chegávamos lá, parecia que nem tínhamos pernas, íamos apertados, no colo uns dos outros”.
“Reconheço que hoje o Arouca subiu à primeira divisão e é qualquer coisa de fantástico, mas naquele tempo soube muito melhor. Não tínhamos condições nenhumas nem dinheiro, ninguém ganhava nada. As chuteiras que tínhamos eram as que os mais antigos deixavam, que eram chuteiras de travessas e era preciso meter quatro ou cinco pares de meias para nos servirem. Mesmo os equipamentos eram um problema. Tínhamos dificuldades em todos os aspetos e mais alguns. Isso valorizou muito essa subida. Nós íamos por aí abaixo e víamos pelados com melhores condições, balneários, água quente. Aqui, não tínhamos nada, nem balneário. Nessa altura, naquela porta do Convento, fazia-se ali umas coisitas, mas nem água tinha, íamos tomar banho a um tanque que tinha lá. Hoje dá-nos um gozo e vaidade ter subida naquela altura, porque era equipa com muito mais potencial na disputa.”, apontou de seguida, relembrando também as duríssimas bolas, as quais “quando chovia e estávamos no pelado, agarrava-se areia e ao mandar uma cabeçada, até sangue ficava na testa.”
Apesar de todas as condicionantes, a equipa tentava jogar bem, hoje já aí havia um pormenor de jogo tantas vezes falado hoje em dia, a procura pela profundidade e as costas da defensiva adversária. “Não tínhamos a técnica que há hoje, os treinos hoje põem os jogadores mais donos da bola. Nós não tínhamos tempo para isso, era bola vai e bola vem. O que era preciso era arrumá-la da grande área para os gajos não marcarem. Dentro das possibilidades, tentava-se fazer umas jogadas, mas o essencial era colocar a bola nas costas da defesa, para o Rogério e outros que eram rápidos chegavam primeiro que eles e marcavam. O Rogério era um temível avançado, ele e o Ferreira Pinto, um jogador fino. Hoje em dia, eram jogadores de primeira divisão.”, recordou.
Para concluir, deixamos aqui uma frase enigmática, que José Augusto proferiu na entrevista, correlacionando o passado com o presente, sem esquecer a preservação da história do FCA: “É os primórdios, como aconteceram, as dificuldades. Agora é um luxo, falamos em milhões, naquele tempo falávamos em tostões. Andávamos pelas portas a pedir aos amigos, para dar dinheiro. Devia de haver uma espécie de uma sede, um espaço e pedir ao povo de Arouca que tem coisas relacionadas para entregar e fazer uma espécie de museu.”
Texto: Simão Duarte
Foto: Arquivo Artur Melo